sexta-feira, 12 de julho de 2013

A barreira da neurociência

A barreira hematoencefálica, órgão reverenciado por uns e evitado por outros médicos, agora passa a ser alvo de estudos, a fim de revolucionar o tratamento de doenças, como o câncer e o mal de Alzheimer.


Experiência de Paul Ehrlich:
Trata-se de uma experiência realizada, no final do século XIX, cuja base se deu no aplicamento de corantes no organismo de camundongos.
Paul, a partir desse experimento, acabou descobrindo a cura da sífilis e lhe rendeu o Prêmio Nobel de Medicina. Entretanto, ele encontrou um enigma que ainda persiste. Quando o mesmo injetou corante na corrente sanguínea de camundongos, que passou por todos os órgãos do roedor, exceto o cérebro. Todo o organismo tornou-se púrpuro-azulado escuro (evidente por microscópio), mas o cérebro permaneceu branco-amarelado pálido.
Quando um dos alunos de Ehrlich injetou corante diretamente no cérebro, apenas o órgão tornou-se azul e os outros órgãos permaneciam normais. Concluiu-se então que devia existir uma barreira entre o cérebro e o sangue, Blut-Hirn-Schranke, em alemão.

Encontro com a barreira:
Foram necessários para encontrar a barreira oculta um meio século e um microscópio cinco mil vezes mais potente. As paredes dos vasos sanguíneos são revestidas por células endoteliais; é certo que elas forram o interior de toda vasculatura do organismo, porém são muito mais compactas nos vasos cerebrais que em outras partes do corpo, o que explica porque nem os corantes de Ehrlich, nem a maioria dos medicamentos disponíveis, conseguiram atingir o cérebro a partir da corrente sanguínea.

Qual a função da barreira hematoencefálica?
Agora se sabe que as células dos dois lados: do sangue e do cérebro estão, constantemente,  comunicando-se e se influenciam mutuamente. Várias passagens moleculares incorporadas na membrana endotelial regulam o tráfego, bloqueando algumas substâncias enquanto controlam outras.
Cientistas adotaram o termo “unidade neurovascular” para descrever melhor o que se vê: um órgão vital, que consiste em vários tipos de células diferentes, inclusive as que rodeiam os vasos e desempenham seu papel crucial no desenvolvimento, envelhecimento e doença.

Novos descobrimentos da barreira:
A cientista Maiken Nedergaard está estudando essa “parede” entre o cérebro e o resto do organismo.  Com a visão por meio de “dois fótons” no microscópio dela, é infinitamente mais fascinante que até mesmo Ehrlich poderia ter imaginado. Com a obtenção de maior conhecimento sobre essa barreira, neurocientistas já planejam controlar a mesma para que se consiga transportar células para o cérebro e bloqueá-lo para agentes estranhos.
As células endoteliais são revestidas de pericito e astrócito, células que podem facilitar a comunicação e são cercados de micróglias, células que ajudam a reparar danos.
Quando a barreira é danificada, os micróglias rapidamente fecham a barreira e restaura as células endoteliais – funcionam como uma equipe de emergência, são a primeira linha de defesa. Quando essa célula não funciona direito, ocorre a neurodegeneração.  Com a compreensão dessas funções, os cientistas estão tratando a esclerose múltipla (EM) como uma doença na barreira hematoencefálica, o que antes era considerado uma doença do sistema imune.
Com testes em camundongos, foi possível bloquear e expulsar proteínas que estão associadas com o mal de Alzheimer, porém os testes em seres humanos está longe de acontecer.

Métodos de atravessar a “muralha”:
Soluções hiperosmóticas
Algumas soluções conseguem sugar a umidade de tecidos circundantes, como exemplo o manitol. Quando os médicos injetam essa solução numa artéria que chega até o cérebro, ela absorve a água das células endoteliais, deixando-as murchar. Então, as zônulas de oclusão se abrem, deixando que as drogas passem.
Esse método foi utilizado pelo médico Edward A. Neuwelt, neurocirurgião e diretor do Programa de Barreira hematoencefálica, em uma paciente, Joanie Latterty, que sofria linfoma (câncer que começa no sistema linfático e se espalha para o cérebro); dando possíveis mais 13-14 anos de vida a paciente que havia de morrer um mês previsto.

Microcateterismo
Médicos introduzem um minúsculo cateter nos vasos sanguíneos para o cérebro e usam manitol para abrir uma pequena parte da barreira próxima ao local que desejam tratar. Depois injetam drogas através do mesmo cateter.
Esse método já é usado para administrar agentes anticoagulantes após um AVC.

Microbolhas
Injeta-se no paciente uma solução de soro contendo bolhas gasosas microscópicas. Assim que atingem o cérebro, um feixe de ultrassom focalizado faz vibrá-las em um local específico, provocando a abertura da barreira hematoencefálica e permitindo a passagem de drogas.

”Cavalo de Tróia”
Método, nomeado por cientistas, que sugere uma droga atrelada a outra, como um vagão, ao fim de um composto que desliza naturalmente através da barreira.

Fonte: revista Scientific American Brasil – edição de julho de 2013


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